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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"Emma", Jane Austen

Uma das mais famosas obras de minha amada escritora, Jane Austen, foi publicada em 1815 e é entitulada "Emma". As críticas à sociedade da época, já encontradas em obras anteriores da autora, são, neste romance, enfatizadas, em decorrência de um amadurecimento de Austen como mulher e como escritora.
Os contrastes na personalidade de nossa protagonista fizeram com que Austen, antes do lançamento do seu livro, fizesse a seguinte afirmação: "Eu vou criar uma heroína, a qual ninguém além de mim vai gostar". Os contrastes de sua personalidade surgem desde sua grande compaixão pelos mais necessitados até sua constante defesa pela divisão de classes.
Algo que pode ser facilmente observado nesta, que é a obra-prima de Austen, em contraste com seus romances anteriores, é o fato de ela ser bastante rotineira. Particularmente, não me apaixonei pelo livro até conhecer a verdadeira intenção da autora, pois, por ser essencialmente embasado em rituais do cotidiano, por vezes, beira o tédio. Mais que em qualquer outro livro, em "Emma", a autora demonstra a habilidade de delinear um retrato realístico da sociedade, expondo os desejos e as debilidades dos habitantes da pequena cidade de Highbury, na Inglaterra, os quais possuem a irritante tendência de apontar defeitos uns nos outros. Apresenta também as rivalidades, pretensões, hierarquias e acontecimentos destes personagens  de uma maneira tão convincente que dificilmente encontramos um trecho da história que não pudesse se passar na vida real do período em que foi escrito.É difícil para o leitor enxergar quando a realidade acaba e começa a ficção.
É interessante notar que as paixões que surgem no final da trama são praticamente imperceptíveis durante o decorrer dela. O leitor atento pode até tentar apostar em um outro casal e acertar, mas a escolha dos casais que nos são apresentados ao fim da trama pode ser considerada quase aleatória, o que é feito quase que propositalmente pela autora.
O livro não gira em torno do romance entre casais, pois a intenção de Austen era nos apresentar personagens, cujas vidas são vazias de paixão e preenchidas, em seu lugar, por fofocas e picuinhas. Desta maneira, não suspiramos de encanto quando lemos "Emma", como leitores de livros como "Orgulho e Preconceito" e "Razão e Sensibilidade" podiam esperar (e eu me incluo nesta lista). Para penetrar na história, portanto, temos de aprender a nos divertir com a confusão de sussurros e boatos, inerentes à fictícia cidade de Highbury.
Logo no princípio da leitura, podemos sentir tudo que vai se passar no decorrer do livro. A Srta. Woodhouse logo demonstra sua mania de opinar sobre todas as coisas, que, no decorrer do livro, torna-se algo muito familiar ao leitor. O casamento de Miss Taylor, antiga tutora de Emma Woodhouse, dá início à trama. Nossa heroína, por imaginar-se a responsável pela prosperidade da união, demonstra seu desejo por continuar em seu papel de casamenteira. O Sr. Knightley nos mostra que está sempre atento a cortar os excessos de nossa linda e inteligente, porém, por vezes, iludida (ou sonhadora) e incômoda, protagonista. Uma vez que os personagens principais, com suas devidas características, são introduzidos, eles não saem muito do seu curso de personalidade, ou seja, não são personagens cíclicos. Outros indivíduos são acrescentados à trama somente para ajudá-los a afirmar seus caráteres imutáveis. Assim, muitos personagens passam pela história sem afetá-la e sem levar o leitor a grandes emoções, e, ao final, a maior parte deles acaba feliz em um bom casamento, como é típico de nossa querida Jane.
Harriet Smith, uma moça ingênua que surge na cidade, é "adotada" por Emma, que pretende introduzi-la no que ela considera "uma boa sociedade". Através das instruções da Srta. Woodhouse, Harriet alterna-se entre paixões impróprias e mal advertidas e um vazio emocional absurdo, de maneira autômata, ou seja, sem pensar agir por si mesma. Ela é, na realidade, o tipo de amiga que Emma sempre quis ter para sentir que possui o controle de todos os acontecimentos: alguém que nunca reclama e nunca discute, sempre acreditando que o que nossa protagonista diz é a verdade absoluta. Apesar de convencer a si mesma da propriedade e sabedoria de suas ações, Emma não consegue ver que está frequentemente enganada, apesar das tentativas de Knightley de dissuadí-la disso.
Ainda, porém, que esqueçamos o foco principal da história, que são as intermináveis tentativas vãs de nossa protagonista de fazer os outros caírem em suas "armadilhas de amor", ainda podemos nos divertir com a maneira com que os habitantes de Highbury conspiram em passar o resto de suas vidas se desentendendo uns com os outros.
O primeiro caso de incompatibilidade na formulação de casais de nossa Emma surge quanto ela força Harriet a se apaixonar pelo Sr. Elton, ao passo que este ama a própria Srta. Woodhouse. O conceito de alguém ser encorajado a amar é uma coisa, mas a maneira ridícula com que Emma tenta convencer Harriet de que ela está tomando suas próprias decisões é absurda. O pior de toda essa embaralhamento emocional é que Harriet acredita que suas opiniões e ações são autônomas.
O romance possui um conhecimento profundo do caráter feminino e apresenta, com severidade, todas as falhas e debilidades que este possui. Ao mesmo tempo que nossa heroína mostra-se bela, sagaz e charmosa, vemos que ela possui um lado insensato ou, simplesmente, tolo, vaidoso, fútil e ilusório. Austen, no entanto, é capaz de nos mostrar sua criação com todos seus defeitos e, ainda assim, fazer-nos amá-la, enquanto que por outros personagens, como a Sra. Elton, que possui muitos dos defeitos da própria Emma, sentimos desprezo. A autora foi muito ousada em não fazer nenhum personagem completamente amável e, ao mesmo tempo, é por essa razão que a vida real está tão perfeitamente exposta neste livro.
Emma deve, com certeza, ser, em toda a literatura, o único exemplo de alguém que não faz nada, ainda que não intencionalmente. No entanto, nós, leitores, a perdoamos, porque, mesmo que suas fantasias acabem por machucar os sentimentos de outros, ela está tentando, com todas as suas forças, viver os delírios fictícios de sua mente. Uma pessoa que não ama o mundo das fantasias não deve ler essa obra-prima de Austen.
A autora opõe-se a fórmula pré-estabelecida dos romances de uma maneira geral, no momento em que permite o triunfo de uma heroína egoísta e mimada, sem insistir que uma lição de moral lhe seja dada. A única coisa que ela parece "aprender" é que, apesar de seu desejo inicial de permanecer solteira para sempre, por fim, ela percebe que precisa de um marido.
No decorrer da trama, nosso subconsciente tende a se perguntar "quem será a próxima paixão de harriet" ou "por quem Frank Churchill estará realmente apaixonado". Apesar destes relacionamentos possuírem um caráter quase infantil diante de romances românticos, eles demonstram a real interação entre homens e mulheres quando estes não sabem nada sobre as verdadeiras intenções do outro.
No século XIX, o matrimônio era tão importante que sua busca é pauta de preocupação e urgência. Por esse motivo, mesmo diante do grande do número de casais formados ao final do romance, muitos por força da comodidade ou interesse, apenas um deles possui perceptível amor romântico: o de Jane Fairfaix e Frank Churchill. O amor que Knithley sente por Emma possui um tom paternalista, ainda que seja bastante afetuoso. Podemos facilmente prever que seu papel de anjo guardião permanecerá imutável após o casamento.
Enquanto em outros romances, o amor é destruidor e capaz de mudar vidas, neste livro, ele é apenas uma maneira trivial de se passar os dias. Percebemos como as pessoas são tolas no que diz respeito às possibilidades do amor: facilmente enganadas, inconstantes e vaidosas, muitas vezes buscando não o amor, mas o status, o bom posicionamento diante da sociedade. A autora foi bem honesta neste sentido ao escrever a obra e é surpreendente que, apesar de todas essas verdades tão inconstantemente reveladas e até um pouco dolorosas, o livro tenha tornado-se duradouramente popular.
Ao fim, por tanto, como o título sugere, este é apenas um livro sobre Emma Woodhouse: um estudo da imperfeição, uma história sobre um doce nada. Se há um comparativo que pode encaixar-se perfeitamente no significado deste livro, ei-lo: enquanto que outros romances buscam dar-nos ideais no lugar de pessoas, este nos dá pessoas, com todos os seus trejeitos e imperfeições. Contemporâneas de Austen, como Mary Shelley (escritora de Frankestein) tentavam desafiar os homens utilizando-se de seus próprios jogos sobre ciência e religião, ao passo que nossa autora buscou ainda mais expor a essência da mulher de sua época, ou seja, como são as pessoas, de fato. Ela escreveu um livro que somente uma mulher poderia escrever, mas que todos, inclusive os homens, deveriam ler.


Video-curiosidades:

São muitas as adaptações desta obra tão magnífica em sua simplicidade rotineira.
Séries de televisão mais aintigas sobre a obra foram apresentadas em 1948 e em 1972.
Em 1995, o filme Clueless, ou, em português, As patricinhas de Beverly Hills, trouxe uma modernização da trama, ou seja, uma adaptação teen. Diferente de outras modernizações, nesta podemos facilmente perceber cada um dos personagens com suas respectivas características bem enfatizadas. Apesar de ser, a príncipio, um filme bobo de adolescentes, ele remete com ênfase à verdadeira essência do livro de Austen. Afinal, onde há mais fofocas, boatos e sussurros que no mundo da high school americana? Eu, particularmente, posso afirmar que adorei o filme na época que assisti (o que já faz um tempo). Outras séries americanas posteriores e mesmo atuais, mesmo sem a intenção, acabam, em sua futilidade, remetendo a uma das maiores escritoras de todos os tempos.
Em 1996, um filme, estrelando Gwineth Paltrow como Emma, trouxe ao cinema uma das melhores adaptações da trama, que tornou-se, por ser menor e, consequentemente menos cansativa, um pouco mais interessante que o próprio livro. Muitos díálogos são mantidos e as características dos personagens, bem como os acontecimentos mais importantes são muito bem estabelecidos no filme, sem mais delongas e excessos.
Ainda no ano de 1996, uma série de TV foi produzida, em que Kate Beckinsale fazia o papel de nossa adorada protagonista. Em 2009, foi a vez de Romola Garai introduzir-se no papel principal.
Recentemente, em 2010, uma comédia romântica indiana trouxe o tema à tona mais uma vez, com o filme Aisha, mais uma vez nos dando uma versão moderna do livro.

Estas são apenas algumas das adaptações existentes, que são muitas e variadas.


2 comentários:

  1. Eu ainda preciso assistir Aisha. Vi que você é fã de Jane Austen. Eu também, tanto que tenho um blog sobre a autora. Se você me permitir vou indicar suas resenhas no meu Jane Austen em Português.

    um abraço,

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  2. legal! Não conhecia a escritora, mas me despertou um certo interesse! =D

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